terça-feira, fevereiro 17, 2009

Costume

por Aerton Guimarães

A gente se acostuma a tudo. A todos.
Alguns parecem inacessíveis, inconvivíveis.
Mas não, tudo é possível.

Com o que é bom, é mais fácil.
Gostamos de nos sentir bem.
Rapidamente já criamos dependência.
E não aceitamos perder.

Com o que é ruim, é sofrível.
No início, dor de cabeça.
Problemas, incômodo.
Aos poucos, passamos a aceitar.
A entender. E nos acostumamos.

Com o que é bom, vamos longe.
Fazemos planos, pois já faz parte das nossas vidas.
E dói, quando vai embora.
Não sentimos falta, é mais que isso.
É uma perda incalculável.

Com o que é ruim, tanto faz.
Ele nos toca, mas não atinge.
Ele machuca, mas não dói.
Nos tranforma, sem nos fazer pensar.

É impressionante como pequenos gestos, feitos muitas vezes desconsideráveis, nos fazem tanta falta. Uma ligação logo ao amanhecer todos os dias, ou um simples boa noite antes de dormir.

Um muito obrigado, um sorriso maroto, uma mensagem apenas para dizer que está com saudade.

Ter alguém para te ouvir diariamente. As brigas, as discussões, as situações engraçadas, os enganos, as fofocas, as reclamações. Até as discussões de relacionamento fazem falta. Qualquer problema, uma conversa. E logo depois, tudo já estava melhor. Às vezes as coisas até pareciam estar bem, mas apenas para deixar melhor, uma conversa. Tudo que está bom pode melhorar, não é mesmo?

A gente se acostuma a viver intensamente.
A gente se acostuma às pessoas do dia-a-dia.
A gente se acostuma a ligar para o amigo do peito para contar uma piada, para contar algo que viu na rua, para reclamar que ele não te liga mais.
A gente se acostuma a estar insatisfeito. A só ver defeitos. A não valorizar o que temos e, principalmente, o que somos.

Somos nós mesmos. E temos que aprender a lidar com nosso próprio interior, às profundezas dos pensamentos.
A gente se acostuma a sofrer, a chorar, a sorrir, até a mentir.
A gente só não se acostuma com a falta do amor.

A escritora Marina Colasanti também se acostumava... Ela sabia, mas não devia. E ela mesma dizia que

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.

Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

1 Comments:

At 17 fevereiro, 2009, Blogger Ana Elisa Santana said...

a gente se acostuma... apesar de ser a pior coisa a fazer quando se quer mudar algo.
enfim.

 

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