domingo, outubro 22, 2006

Sangue proibido

Hemocentros podem rejeitar doação de homossexuais e bissexuais
por Aerton Guimarães

Decisões judiciais têm fomentado grande polêmica e rivalidade entre o Governo Federal e os grupos de Gays, Lésbicas e Transgêneros.

Diversos hemocentros do Brasil possuem questionários aos quais os doadores de sangue são submetidos para que possam realizar a doação. A partir da análise das respostas, a conhecida triagem, os médicos podem barrar o doador, caso considerem que ele tenha passado por uma “situação de risco”.

É justamente esse questionário que gerou a polêmica. Se um homem responder que praticou ato sexual com um parceiro do mesmo sexo nos últimos doze meses, ele é usualmente impossibilitado de doar seu sangue. O mesmo não ocorre se ele disser que praticou o ato com três mulheres. Baseado nisso, no final de julho deste ano, o juiz Márcio Braga Magalhães, da 2ª Vara Federal do Piauí, concedeu liminar suspendendo a determinação da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) que obrigava a excluir os homossexuais das filas de doação caso se enquadrassem na situação exemplificada.

A iniciativa partiu de uma representação feita pelo grupo piauiense Matizes, o qual defende direitos de homossexuais, bissexuais e transgêneros. A representação sustenta que os gays sentiam-se discriminados no Centro de Hematologia e Hemoteria do Piauí porque eram impedidos de doar sangue após revelarem sua orientação sexual.

Após menos de um mês da determinação da Justiça do estado, a Anvisa ganhou liminar que suspende a decisão da 2ª Vara Federal do Piauí. A desembargadora federal Isabel Gallotti, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, suspendeu o determinado em 1º grau que havia reconhecido como de caráter discriminatório o questionamento na entrevista a doadores. Ela considerou as justificativas técnicas da Anvisa as quais, baseadas em pesquisas internacionais, comprovam que o risco de homossexuais contraírem o vírus da Aids é muito maior que o de heterossexuais. Com isso, os hemocentros voltam a ter autorização para barrar os homossexuais e bissexuais.

O grupo Matizes entrou recentemente com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) e aguarda resultados.


“O paciente tem que ter a garantia que vai receber um sangue saudável”

Em entrevista ao jornal Correio Braziliense em agosto passado, Marcelo Nascimento, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros, criticou a decisão da desembargadora, baseada nas justificativas da Agência do governo. “O recurso da Anvisa tem por base concepções morais e religiosas”, afirmou. Disse ainda que a Associação também entrará com recurso no STF contra a decisão.

O coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos LGBT, Julio Cardia, em entrevista a Campus Online, afirma que as medidas adotadas pela Anvisa se apóiam no preconceito e na discriminação. “A gente já tinha três casos de denúncias aqui no Centro de gente reclamando de discriminação, pois não puderam doar sangue”, explica Julio. Segundo ele, o Centro iria entrar com ação na Justiça quando viu que o grupo Matizes, do Piauí, já o havia feito.


Cardia: "Não há diferença entre o sangue homossexual e o heterossexual".


Cardia acredita não haver justificativa válida para impossibilitar a doação por homossexuais, já que, em sua opinião, não há diferença entre o sangue homossexual e o heterossexual.

Para rebater essa idéia estão os dados da diretora do Programa Nacional de DST e Aids, Mariângela Simão. Segundo ela, fundamentada num artigo do pesquisador Jorge Beloqui, da Universidade Estadual de São Paulo, diversas pesquisas internacionais demonstram que a probabilidade de um homossexual infectar-se com o vírus da Aids é 18 vezes maior que de um heterossexual, o que justificaria a forma de prevenção praticada nos hemocentros atualmente.

Mariângela ressalta ainda que as medidas não são homofóbicas, pois não só homossexuais e bissexuais são impedidos de doar se tiverem realizado ato sexual nos últimos doze meses, mas também todos que colocam piercings ou tatuagens, consideradas situações de risco. “O paciente tem que ter a garantia que vai receber um sangue saudável", afirma. "Não nos guiamos por preconceitos,mas nos baseamos no que tem de mais novo no campo científico”, explica.

Além disso, a diretora assegurou que, em breve, o governo criará um questionário padrão para quem quer doar sangue, a ser aplicado em todos os hemocentros do país. Mas há promessas de que ele será amplamente discutido com a população antes de ser formulado.

Publicado originalmente em 18/09/2006 no site Campus online.