Crítica
Crítica do livro Jornalismo em "tempo real" - O fetiche da velocidade, de Sylvia Moretzsohn
por Aerton Guimarães
Jornalismo em “tempo real” – O fetiche da velocidade, de Sylvia Moretzsohn é, antes de tudo, um título mal pensado. A abrangência da obra vai muito além do que o nome sugere. Na realidade, o tema inspirador, que é o título do terceiro e último capítulo do livro, é abordado de forma simplista quando comparado ao outros assuntos retratados.
Demonstro minha indignação única e exclusivamente devido a esse fato, pois cheguei a sentir-me lesado no início de minha leitura. Onde estaria o “tempo real” proclamado em sua capa? Decidi comprar o livro devido às associações que fiz com as coberturas ao vivo do jornalismo, conectando a fatos recentes televisionados e também relatados quase que instantaneamente pela internet.
Acabei criando expectativas, o que muitas vezes me é prejudicial. Ao passear pelo primeiro capítulo da obra, ficou nítido que o objetivo da autora não era discorrer sobre o tema que eu aguardava. O principal foco não eram os erros e abusos cometidos pela falta de preparo e tempo dos repórteres e as redações dos jornais, mas sim os mais diversos aspectos do jornalismo, de uma maneira muito ampla.
A internet, meio de comunicação que acredito caracterizar melhor a expressão “cobertura em tempo real” nos dias de hoje, foi superficialmente tratada pela autora. Análises profundas sobre o jornalismo on-line não foram apresentadas, talvez por ainda não haver estudos concretos e confiáveis nesta área tão recente da Comunicação. É importante dizer, portanto, que a obra foi publicada em 2002, período em que o jornalismo na internet ainda dava passos em falso na busca pelo seu espaço na imprensa.
No entanto, o que encontrei foi uma obra repleta de verdadeiras aulas de jornalismo. Coisas que não temos em sala de aula, mas que aprendemos suas lições quando estamos, de fato, vivenciando a profissão, principalmente em uma redação de jornal.
Muitas das questões apresentadas no livro só passaram a fazer parte do meu dia-a-dia quando comecei a estagiar em um jornal como repórter e, alguns meses depois, em menor grau, com a vivência de trabalhar em uma redação on-line, a disciplina Campus 1 da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.
A manipulação de informações utilizando-se textos e imagens, o ritmo de produção de notícias, a relação com as fontes, a informação vista como mercadoria, a competitividade do mercado, a necessidade de ser um jornalista multimídia, e exemplos do mau jornalismo são alguns dos temas colocados em debate, sob um ponto de vista mais crítico, pela autora Sylvia Moretzsohn com o auxílio de uma vasta bibliografia com obras de jornalistas e estudiosos da Comunicação.
Temas que nos levam a refletir e a duvidar de nossas intenções enquanto jornalistas: queremos ser tradutores ou apenas um canal para transmitir notícias? E afinal, o que é notícia e para quem trabalhamos? Uns afirmam que o compromisso do jornalista é, antes de tudo, para com a verdade e conseqüentemente com o leitor. Porém, essa afirmação não é questionável? Qualquer empresa visa os lucros, por que com as empresas de comunicação seria diferente?
E desde o início do livro, a autora nos leva a realizarmos inúmeras indagações sobre a prática do jornalismo a partir da contextualização dos fatos.
Especificidades
As explicações iniciais da obra buscam retratar as modificações ocorridas ao longo dos anos a partir da evolução do capitalismo e a chegada da era moderna. O ritmo da comunicação se transformou profundamente em todo o mundo, tendo o jornalismo como principal acompanhante desse ritmo acelerado. Fosse pelo desenvolvimento de novas tecnologias ou com a agilidade dos repórteres na hora de redigir as matérias, ele sempre esteve presente no cotidiano das pessoas.
A supervalorização do instantâneo, do volátil e da era do descartável prevaleceu. O que não é novo é ultrapassado, e por isso os jornais vivem de assuntos quentes. Se algo ocorreu hoje, deve ser divulgado o mais rápido possível, se não vira passado e demonstra a inabilidade do veículo em acompanhar fatos diários, fazendo-o perder credibilidade.
Sylvia ressalta em sua obra o poder da televisão e a credibilidade que esta possui, ao transformar o telespectador em uma testemunha ocular da “história em movimento” (p. 48). E faz uma ótima associação ao pensamento de Ramonet1 de que “ver é compreender”, o que me fez lembrar de um recente debate realizado na Faculdade de Comunicação, em que a professora de Jornalismo Célia Ladeira apontou entre os motivos que podem caracterizar a televisão como um item iluminista, o fato de o aparelho conseguir esclarecer os fatos mostrando imagens que comprovam, na teoria, como eles verdadeiramente acontecem (imagens não manipuladas, obviamente).
Ao questionar o que é notícia, a autora levanta uma das questões mais debatidas entre estudiosos e jornalistas. Qual a autoridade que editores possuem ao analisar o que deve ou não ser divulgado? Com a desculpa de que “o povo tem o direito de saber”, os jornais publicam o que é de seu interesse. E garantem estar a serviço da população. Será isso possível? A falta de tempo do jornalista o impede de aprofundar-se nas próprias matérias que redige diariamente. Teria ele disponibilidade para conversar com seu público com o objetivo de descobrir se seu trabalho está sendo bem recebido? Ou apenas para saber se as notícias que um noticiário veicula são realmente de seu interesse?
Discussões a respeito da noticiabilidade são válidas, apesar de não ser possível chegar a um consenso do que seria o melhor a fazer no processo de escolha das informações. Baseada em vários autores, Sylvia consegue levantar um debate rico e consistente em diversos momentos.
Citações como a do autor Alexander Cockburn2 ilustra bem a que ponto o Jornalismo chegou a respeito do que é notícia para os veículos de comunicação:
Os editores devem se lembrar que há extensas partes do mundo nas quais as pessoas não existem a não ser em grupos de mais de 50 mil. Antes de chegar a tais hordas, comecemos por cima. A morte de um americano famoso pode sempre ser registrada, ainda que tenha ocorrido nas circunstâncias menos relevantes. Se o americano for um ilustre desconhecido, é preciso que morram pelo menos dois ou três (ou apenas um, em circunstâncias bem singulares) para que mereça alguma atenção. No caso dos negros, o número tem de ser muito maior. Na categoria seguinte, vêm os europeus do norte. Conte dez deles para cada americano. Depois, temos os europeus do sul (italianos, espanhóis, portugueses, gregos). Conte uns 30 deles para cada americano. Depois, os turcos, persas e latino-americanos. Conte uns cem destes para cada americano. (...) Especialistas calculam que somente uns 50 mil indianos seriam capazes de igualar, em termos de notícias, ao total de 10 americanos. (p.66)
Críticas ferrenhas são voltadas ao ritmo veloz de produção no jornalismo, que obriga repórteres a divulgarem informações sobre as quais não têm certeza além de reduzir a “possibilidade de reflexão no processo de produção da notícia” (p.70). Tal fato influencia diretamente a qualidade das reportagens, já que averiguações são muitas vezes descartadas do processo de construção da notícia. A necessidade de repassar a informação em primeira mão deprecia a prática do jornalismo, ao meu ver, apesar de considerar o “furo de reportagem” bastante prazeroso.
Um caso recente ao qual podemos associar o problema do jornalismo em tempo real é a cobertura realizada do acidente com o avião da Gol no dia 29 de setembro deste ano. Logo após a divulgação de que uma aeronave teria desaparecido dos radares da aeronáutica, algumas emissoras de televisão iniciaram uma cobertura intensiva e ao mesmo tempo vazia sobre o fato. Imagens de acidentes aéreos antigos eram mostradas enquanto repórteres apresentavam hipóteses do que teria acontecido, misturando informações não confirmadas da Aeronáutica com depoimentos de pessoas da região da Serra do Cachimbo, onde o avião caiu.
Foi angustiante acompanhar tal cobertura, já que não existiam novas informações que justificassem uma apresentação em tempo real. O que se viu foi um trabalho amador e sensacionalista das emissoras. E na internet não foi diferente. Reconhecidos sites de notícias publicavam, de minuto em minuto, informações soltas sobre o acidente, embora também sem confirmação.
Exemplificando ainda com o caso do avião da Gol, é possível analisar outra questão levantada no livro: a maneira com a qual os próprios veículos se pautam. No dia do acidente, em muitos momentos os repórteres da televisão afirmavam receber as últimas informações vindas desse ou daquele endereço eletrônico.
E é o que observamos diariamente. O pensamento é sempre o mesmo: “se tal veículo está publicando, temos que publicar também”. Com isso, mesmo não sendo tão relevantes para a população, alguns assuntos têm a obrigação de serem publicados com o único objetivo de não deixar o veículo passar a imagem de que está sendo ultrapassado por outros.
Após dissecar o jornalismo, a melhor conclusão que podemos chegar é: que tipo de jornalista quero ser? E qual a melhor maneira de exercer a profissão seguindo meus princípios éticos?
Assim, Jornalismo em “tempo real” – O fetiche da velocidade é um prato cheio capaz de suscitar calorosos debates nas salas de aula das faculdades de Jornalismo. Levantei aqui apenas algumas das questões retratadas na obra, as quais servem como ponto de partida para análises mais profundas de temas diferenciados no Jornalismo.
1 – Ramonet, Ignacio. A tirania da comunicação. Petrópolis, Vozes,1999, p.26.
2 - Death Rampant! Readers Rejoice, in Stop the Presses, I Want to Get Off, New York, Delta Books, 1976, pp. 14-15, apud. Argemiro Ferreira, “Informação e dominação”, in Chico Nelson et al., Jornalistas pra quê? (os profissionais diante da ética), Rio de Janeiro, Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, 1989, pp.109/110.
1 Comments:
O texto ficou bom ,mas um pouco longo demais para internet...
Zoeira XD
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