domingo, novembro 06, 2005

Yes, nós temos pesquisa!

Ilha de excelência em um serviço público sucateado, a Embrapa conseguiu alavancar o agronegócio brasileiro e mostrar ao mundo que o Brasil não é uma República de Bananas, como é estigmatizado no exterior

Aerton Guimarães

Se o serviço público, em seu conjunto, foi desmantelado nas últimas décadas, o mesmo não se pode dizer da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), conhecida mundialmente por suas pesquisas e pela qualidade de seus projetos. Considerada uma ilha de excelência, destaca-se cada vez mais ao mostrar o que é possível fazer com um bom ambiente de trabalho e ótimos profissionais muito bem capacitados.

Vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a Embrapa foi criada em 26 de abril de 1973, com o objetivo de viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável no meio rural, focando o agronegócio, que tanto movimenta nossa economia.

Há 37 Centros de Pesquisa da Embrapa no país, três Serviços e 11 Unidades Centrais, atingindo quase todo o território nacional. Visando criar, adaptar e transferir conhecimentos e tecnologias para os mais variados segmentos sociais do país, a empresa se estabelece como um dos principais centros de pesquisas do mundo.

Atualmente a Embrapa conta com cerca de nove mil funcionários, mais de dois mil deles são pesquisadores com mestrado e/ou doutorado, ou seja, uma mão de obra bem qualificada que lida anualmente com um orçamento de pouco mais de R$ 850 milhões.

Os projetos coordenados pela Embrapa revolucionaram a produção rural brasileira, permitindo que o país se tornasse um gigante nessa área. O Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária – SNPA, constituído por empresas privadas, fundações e instituições públicas como as universidades, é o principal responsável pelas mudanças ocorridas no setor.

Com uma forte atuação em pesquisas de áreas geográficas e em vários campos de conhecimento científico, o SNPA fez, por exemplo, com que as regiões de cerrado se tornassem extremamente produtivas, representando 40% da produção brasileira de grãos. A produção de soja, carne, frango, leite e diversos outros produtos deu um salto qualitativo e quantitativo nos últimos anos, graças às tecnologias desenvolvidas pela empresa.

Projetos que envolvem biotecnologia também são hoje uma realidade na empresa. A Embrapa desenvolveu em 2001 a vaca Vitória, primeiro clone brasileiro, mostrando a alta tecnologia do país. A partir daí vários outros clones foram desenvolvidos utilizando a tecnologia de ponta que a Embrapa desenvolveu.

De acordo com Robinson Cipriano, coordenador de jornalismo da Embrapa, os projetos de pesquisa prioritários da empresa são os que atendem a demanda da sociedade e do governo. “Se a sociedade quer uma cenoura com mais vitamina A, nós buscamos desenvolver isso, o que de fato ocorreu, pois já criamos algumas variações desse tipo de cenoura” exemplifica. Para os projetos serem aprovados, os pesquisadores devem comprovar sua necessidade para a população.

O Brasil revolucionou a agricultura ao desenvolver a agricultura tropical. “Aqui temos duas safras por ano, diferentemente do resto do mundo” disse Robinson. A Embrapa conseguiu aplicar a tecnologia desenvolvida tanto aqui como no exterior, aliada à adequação ao clima do país. “Atualmente estamos fazendo pesquisas para desenvolver uma soja que seja resistente à seca, podendo ficar até sessenta dias sem uma gota de água”, explicou.

Para conseguir essas façanhas, as parcerias são imprescindíveis. Por isso, a Embrapa possui vários acordos com instituições nacionais e internacionais, sendo 275 deles de cooperação técnica com 56 países e 155 instituições de pesquisa internacionais, além de ter laboratórios para o desenvolvimento de pesquisa em tecnologia de ponta nos Estados Unidos e França.

A empresa também tem um caráter social, pois seus programas de pesquisa específicos organizam tecnologias e sistemas de produção que aumentam a eficiência da agricultura familiar e conseguem incorporar pequenos produtores no agronegócio, garantindo melhorias em sua renda e bem-estar.

Clonagem rende frutos para a pecuária nacional

A clonagem de animais se tornou uma prática comum no Brasil. Em março de 2001 o primeiro animal, uma bezerra da raça simental, nasceu na fazenda da Embrapa em Brasília. Vitória, como foi batizada, é o primeiro clone produzido na América Latina.

O Ministério da Agricultura e do Abastecimento disse na época que seu objetivo era continuar investindo em tecnologia e sanidade animal e vegetal, por serem áreas prioritárias do governo, o que de fato aconteceu. Atualmente os projetos nessa área absorvem grande parte dos recursos disponíveis à Embrapa.

As pesquisas em reprodução animal iniciaram-se na empresa em 1984, e com o nascimento de Vitória e o investimento maciço em pesquisas relativas a esse assunto, o Brasil conseguiu entrar no seleto grupo de países que dominam essa tecnologia.

A clonagem faz parte dos projetos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, a qual valoriza bastante essa técnica devido a suas importantes aplicações em diversas áreas associadas ou não à engenharia genética. Com a clonagem é possível conservar os animais ameaçados de extinção, aumentar a quantidade desses animais na natureza com facilidade e ainda por cima melhorar seus valores genéticos, ou seja, produzir animais mais resistentes.

A vaca Vitória possibilitou o desenvolvimento de outro clone, em 2003, a bezerra Vitoriosa. Criada a partir de um tecido da orelha de Vitória, a novilha Vitoriosa acabou falecendo aos quatro meses de vida, quando sofreu um “choque cardiogênico” causado por hipertensão arterial. A morte de Vitoriosa surpreendeu os pesquisadores, que estavam bastante otimistas em relação à bezerra, pois ela estava ganhando peso como qualquer animal de sua raça.

O terceiro clone de bovino da Embrapa recebeu o nome de Lenda, a qual foi produzida a partir de células do ovário de uma vaca já morta, em setembro de 2003. De acordo com a Embrapa, a clonagem a partir de células retiradas de um animal morto abre para a ciência um excelente precedente, já que além de possibilitar a recuperação de animais de alto valor produtivo, pode ser usada também para regenerar animais silvestres ameaçados de extinção que, freqüentemente, são vítimas de acidentes, como os atropelamentos.

Em setembro de 2004 nasceu a primeira filha de Vitória, comprovando que, num futuro próximo, será possível usar clones bovinos nos rebanhos comerciais, como disse Rodolfo Rumpf, pesquisador da Embrapa. Glória e sua mãe se desenvolvem normalmente como qualquer outro animal.

Outro sucesso da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia é o nascimento das duas primeiras potras criadas a partir da técnica de bipartição de embriões. As gêmeas idênticas, Branca e Neve, que já possuem 11 meses de vida, foram desenvolvidas a partir de um único embrião, dividido em duas partes iguais, que foram transferidas para duas éguas receptoras, também chamadas de“mães de aluguel”.

A técnica de bipartição de embriões representa uma vitória para o país, tanto do ponto de vista comercial, como de preservação, pois permite aumentar o número de descendentes de um animal de alta qualidade com mais rapidez e eficiência.

Os clones bovinos mais recentes, as bezerras Porã e Potira, são consideradas um sucesso da integração entre o projeto de conservação de recursos genéticos animais e a moderna biotecnologia animal, já que são clones de uma fêmea bovina da raça Junqueira, que atualmente se encontra em alto risco de extinção no Brasil, com menos de cem animais em todo o país.

Conservação de Sementes: o futuro do campo

Um projeto de grande utilidade desenvolvido pela Embrapa é a Conservação de Sementes a longo prazo. Desenvolvido desde a criação da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em 1974, a conservação como é feita é a melhor maneira para garantir a existência dos mais variados tipos de sementes.

A Embrapa tem 97 mil tipos diferentes de sementes, já que muitas vezes existem variações da mesma espécie, como é o caso do feijão, e conta com a integração dos diversos centros espalhados pelo Brasil para alcançar o sucesso deste projeto.

Quando as sementes são do território brasileiro, o procedimento é coletá-las para depois fazer a documentação. Mas quando é uma semente advinda do exterior, a primeira coisa a fazer é deixá-las em quarentena para realizar testes e identificar possíveis doenças Após recolher todas as informações necessárias sobre a semente, como sua procedência, por quem foi coletada, entre outras, as amostras passam por testes para garantir que o material germina normalmente.

Se for comprovado que a semente possui uma taxa de pelo menos 80% de germinação, ela é encaminhada para os testes de patologia, nos quais será possível identificar se ela contém alguma doença, fungos ou outros problemas que podem comprometer seu desenvolvimento. Se for identificado que ela possui uma taxa de menos 80 %, ela passa pelo processo de multiplicação e depois é regenerada, até essa porcentagem mínima ser alcançada.

Retirando-se a umidade da semente para armazená-la, ela é colocada em pacotes bem vedados e que possuem um código de barras para a posterior identificação do material. Normalmente são armazenadas entre 1.500 e 2.500 sementes de cada variedade de planta em câmaras frias, numa temperatura constante de - 20 ºC.

O método é interessante, pois possibilita que as sementes sejam guardadas por vários anos. O ideal é que seja feito um processo de monitoramento dela, no qual testes são realizados para comprovar se sua taxa de germinação continua alta. Quando é necessário fazer a multiplicação das sementes, processo no qual algumas são plantadas e meses depois coletadas, elas são enviadas para os diversos centros de pesquisa do Brasil, por demandar utilização de um grande espaço para este fim. Após tal procedimento, eles enviam as sementes boas novamente para a sede, em Brasília.

O pesquisador Gerson de Luces Fortes, que trabalha na área de clonagem de plantas, diz que o processo é bastante eficiente. “Temos sementes de soja guardadas aqui há mais de 25 anos e que possuem uma taxa de 95% de germinação”, exemplifica.

Porém, existem muitos tipos de sementes que não podem ser armazenadas dessa maneira, pois ao perder a umidade, após sua coleta, tornam-se inativas. Por causa disso, foi desenvolvido o método de conservação in Vitro. Nele, as sementes são colocadas em tubos de ensaios com umidade parecida com a do solo. “Esse é um processo mais trabalhoso, pois temos que fazer o monitoramento nas sementes todos os anos”, disse Gerson.

Uma das novidades que a Embrapa pretende apresentar nos próximos anos é a conservação de sementes em nitrogênio líquido, a chamada criobiologia vegetal. Esse recurso é utilizado atualmente no armazenamento de embriões humanos, na qual a temperatura é de - 196 ºC. Com isso, o objetivo é conseguir com que as sementes sejam guardadas pela eternidade, já que a tão baixas temperaturas, as taxas de reação da semente são praticamente nulas. Conseqüentemente, ela não envelhece.

Matéria especial de duas páginas (formato standard) para o jornal Planalto Central.