quinta-feira, março 02, 2006

O que o público não vê

Personagens anônimos fazem um espetáculo à parte nos bastidores de uma peça teatral
Aerton Guimarães


Atores estudando o roteiro da peça em sua preparação


Imagine-se assistindo a um belo espetáculo. Ótimos atores, figurinos bem trabalhados e cenários caprichados. Durante a peça, cada detalhe é importante. Afinal, é o conjunto desses detalhes que irá determinar o seu sucesso.

E assim, o grande final. Platéia de pé aplaudindo todos os atores, estes despreocupados por terem a certeza de que fizeram mais um trabalho de qualidade. O público, que se deliciou com momentos mistos de prazer e melancolia, direciona olhares saudosos àqueles que interpretaram personagens marcantes. Elogios são ouvidos em todos os cantos da platéia.

E é apenas isso que as pessoas vêem. A beleza da peça que deve ser repassada ao espectador, e não os problemas. Poucas sabem o que se passa por trás das cortinas vermelhas. Para produzir uma boa peça de teatro, é necessária muita dedicação, e não somente dos atores. Há toda uma equipe que trabalha silenciosamente nos bastidores. Há o diretor, o produtor, os assistentes, maquiador, iluminador, costureiro, marceneiro, cenógrafo, maquinista, o responsável pela logística na alimentação, o responsável pelo transporte de materiais e também dos atores, diagramador dos cartazes e panfletos de divulgação e muitos outros que trabalham na construção do cenário e figurino, além dos que contribuem indiretamente na realização do espetáculo.

Para isso a preparação começa bem cedo. Em alguns casos, as peças levam um ano desde seus passos iniciais à apresentação. Em sua montagem, o texto é escrito, os cenários pensados, os ensaios se iniciam, o grupo que se apresentará (na maioria das vezes) corre atrás de patrocinadores e voilá, O espetáculo está recém-saído do forno para os ávidos espectadores, considerados os mais exigentes do meio cultural.

A produção

A parte mais difícil no processo de construção de uma peça é a produção. Ricardo Guti, professor do Instituto de Artes da UnB e também diretor de teatro, diz que a função de produtor em uma peça é exercida na verdade por todo o grupo de atores, o que acaba sobrecarregando-os. “O produtor é uma lenda urbana”, brinca.

Conseguir patrocínio para começar a montar a peça é um dos passos fundamentais, e o mais complicado. Quando a peça não possui em seu elenco atores renomados, a dificuldade é ainda maior. Por isso as apresentações de médio e pequeno porte buscam o apoio do Governo, tanto local como federal, para viabilizar o espetáculo. Existem leis que direcionam recursos públicos para o fomento cultural, e muitos grupos de teatro vivem desse apoio, apesar da desmotivadora burocracia.

Mas quando o assunto é o patrocínio de empresas privadas, a situação não é diferente. Mesmo com o desconto que recebem no Imposto de Renda por patrocinar esse tipo de evento, muitos empresários simplesmente não se interessam pelo teatro. E os poucos que querem ver seu nome associado a ele não possui verba suficiente para investir. Por isso, muitas vezes o apoio vem em forma de materiais, ou seja, funciona como antigamente, a base do escambo. A madeira para o cenário pode ser doada, os tecidos para os figurinos e até mesmo a comida para a alimentação da equipe.

Quando há investimentos, os patrocinadores conseguem bancar toda a peça, mas o lucro que servirá como pagamento dos atores e outros envolvidos na produção, vem exclusivamente da bilheteria ou quando uma escola particular ou o próprio governo decide bancar uma série de espetáculos que contenham alguma finalidade educativa.

O professor Guti diz que viver de teatro é arriscado, ainda mais para aqueles que não desejam seguir o estilo comédia, que possui um público maior. “Um artista que trabalha com linguagem é difícil”, afirma.

O professor também esclarece uma famosa lenda urbana. Quando perguntado sobre o porquê das peças teatrais serem tão caras em Brasília, em comparação com São Paulo e Rio de Janeiro, onde alguns espetáculos chegam a custar um terço do que é cobrado aqui, ele responde que para deslocar os atores de onde vivem já aumenta bastante o custo das produções. Aqui eles têm que pagar pelo menos hotel, transporte e alimentação, o que encarece o valor dos ingressos que pagamos na cidade.

Matéria especial feita para a revista Cena Aberta, projeto final da disciplina Planejamento Gráfico