sábado, novembro 03, 2007

Tempo

Quase não se mexem. A noite não foi como esperavam. Ela de um lado, ele do outro. Já não dividem mais o mesmo lençol, cada um tem o seu. Conversaram sobre o problema recentemente, mas a situação continuou a mesma.

Passavam das três da madrugada quando ele levantou para pegar um copo d’água. Júlio sempre foi calmo, pensativo. Preocupado demasiadamente em agradar aos outros. Casou-se com Daniela ainda jovem, aos 22 anos. Oito anos depois, as coisas estão diferentes do que eram. Abriu a geladeira e pegou a garrafa ainda cheia.

Sentou na cadeira mais próxima e deu o primeiro gole. Sua garganta estranhou a água gelada àquela hora da madrugada. Lembrou das inúmeras noites que tinha passado com Daniela. A saudade tomou conta de seus pensamentos.

Olhou para a mesa da cozinha. Seu coração bateu mais forte. E foi andando pela casa. O sofá, o corredor e até a escada lhe traziam lembranças. Bons momentos, pensou. As aventuras de um casal que acaba de juntar os trapos são mais emocionantes, acredita.

Volta à cozinha e deixa o copo em cima da pia. Mais uma lembrança. Para voltar ao quarto, sobe as escadas. Daniela está lá, num sono profundo. Estirada sobre travesseiros e com um lençol que cobre apenas parte das pernas.

Seu corpo continua atraente, quase como quando a conheceu naquele dia no clube. Júlio estava com um grupo de amigos. E Daniela logo ali, com a família a cerca de cinco metros de distância. Desde que ele chegou naquele lugar, não conseguia parar de fitá-la. A beleza da mulher impressionou não só a ele, como a todos os seus amigos. A competição começou ali mesmo. Mas foi a ele que ela retribuiu os olhares.

Lá estava Daniela, deitada na cama, na mesma posição que quando Júlio tomou coragem para falar com ela naquele dia no clube: de bruços. A cena não poderia ser mais clichê: aproveitando o momento em que toda sua família estava na piscina, chegou perto e ofereceu seus serviços: Sua pele clara não vai resistir aos fortes raios do sol. Não quer que eu passe protetor? Sentiu-se um ridículo naquele momento.

Ela pensou da mesma forma, mas, como a vontade era recíproca, aceitou a proposta. A pele era macia. Júlio sentiu o prazer de uma criança com um doce na mão e logo depois a convidou para dar uma volta.

Pararam na piscina das crianças, que estava vazia naquela hora de almoço. Toboáguas, brinquedos e duchas no formato de doces foram o ambiente do primeiro beijo. Ele gostou da iniciativa dela. Pouco falaram, pois já sabiam o motivo daquela conversa.

Ele percebeu em pouco tempo que não era o único com vontade de algo mais. Procuraram um lugar mais tranqüilo e encontraram a sauna, vazia. O calor tomou conta de seus corpos. Beijaram-se e foram além. Nunca tinha lhe acontecido algo parecido, ainda mais em um lugar como aquele.

Trocaram telefones e, naquela mesma semana, saíram algumas vezes. Sempre que se viam, acontecia. O desejo era maior que os dois.

Júlio decidiu sentar-se na poltrona do fundo do quarto e a observou. Linda. É uma das mulheres mais belas que conheci, pensou. O calor da noite, as lembranças, tudo faz com que o desejo retorne intensamente.

Ele volta para a cama e a abraça. Um leve beijo no pescoço e ela acorda. Daniela vira-se e vê Júlio, que está com um olhar insaciável. Ela se afasta e diz para que ele volte a dormir. E mais uma noite igual às outras. Júlio lembra que não tem relações com a mulher há mais de sete meses. O desejo não é mais o mesmo. Os pensamentos já não são os mesmos. O casamento foi aos poucos reforçando as diferenças e afastando-os.

Daniela não tem mais tempo para ele. Trabalha mais de dez horas por dia e, quando está em casa, prefere a companhia do filho Pedro, que acaba de completar três anos. Júlio lembra-se que a última vez que transaram não teve a ardência dos anos anteriores. Naquela noite de abril, ambos reclamaram da falta de sexo e fizeram por fazer.

Depois da recusa de sua mulher, Júlio vira-se para o outro lado, fecha os olhos e conforma-se mais uma vez com a situação.